Narração
– Fala
"Pensamentos"
"Fala de terceiro"
PRÓLOGO
SINFONIA DA MORTE
FLORESTA DA MORTE – ITÁLIA
O olhar é meigo. Sim, meigo, mas repleto de uma impiedade enigmática. Orbes escarlates que ora brilham pelo leve cintilar que adentra no casebre de tijolo e madeira, ora cobertos pelo véu púrpuro que lhes cobrem, conforme o movimento de seu rosto, o qual baila ao som do órgão que entoa uma melodia no estilo gregoriano, salmodiado por um canto lírico que desenha no ar uma melancólica sensação de morte. Era Verônica de Nasu, a estrela Celeste da Contemplação.
Os dedos bailam pelas cândidas teclas daquele órgão de madeira maciça que se ergue imponente no ambiente tenebroso. O objeto era de fato um ponto fora da curva naquele mar de desgraças. A voz rasga, ainda que pudesse ser ouvida somente no casebre. O sinistro ar aumenta em um ritmo frenético, como que para atingir o clímax.
– ... NO LOUVOR DA MINHA FÉ!... AMÉM....! – prolongou-se por algumas notas.
Uma estrela negra cintilava entre as tubas douradas, ornamentadas por criaturas celestes. O rosto movimentava-se serenamente, enquanto um corpo era devorado por famintas crianças desesperadas pelo cálido sangue que vertia daquele semimorto, o qual respirava com passadas dificultosas e chorava por sua insignificância.
"Dois tolinhos perdidos que acham que podem livrar seu reino da salvação. Um, o destemido e bobalhão alado, já caiu, agora falta o outro. Uma figura interessantíssima. Vejamos o quanto... huhuhuhu"
As crianças cessam seu banquete, conforme encerra sua canção. Elas estavam sob o domínio de Nasu, como muitos outros sob a terra.
Verônica trajava uma longa roupa púrpura com pequenos detalhes dourados e branco, cobrindo o manto espectral que trazia em seu interior. Imitava o vestir do celibato de uma freira. E essa era mesmo a sua intenção, afinal, servia a um só senhor. Seus lábios preenchidos pelo mesmo tom roxo das roupas, sorriam delicadamente, pincelando curvas debochadas.
"O outro necessita ser guiado para os braços do senhorio da morte..."
Sua energia e a floresta eram como uma. Fora destinada pelo senhor da morte, a quem venera, a proteger aquele lugar. Por sua devoção, recebera a dádiva da imortalidade, tendo todo aquele belíssimo lugar à disposição de seus caprichos. Debaixo da opulenta criação do Imperador do Submundo, asseguraria que todos os planos para presentear o mundo com o doce cheiro da morte se confirmasse.
"... Deixe-me ajudá-lo..."
A densa floresta se estende por longos quilômetros de extensão. Nela, a luz do sol pouco consegue penetrar os galhos podres e folhas secas que erguem-se majestosos naquele espaço abençoado com a morte. O cheiro que exala é pútrido – imita os cadáveres que se espalham por todos os cantos. Aves com crânios à mostra sobrevoam, observam. Peixes cuja pele são suas próprias espinhas nadavam pelo pântano funesto. Por onde se olhasse, a morte impera.
Espalhadas, moscas voam de lá pra cá à busca de carcaças para repousar. Essas também fazem o serviço de sua senhora Nasu, servindo-a fielmente bem.
"... Antes que me importune."
Aparentemente, sem direção caminha o companheiro de Pégasus, este agora abatido – desfalecendo pouco a pouco aos pés de Nasu, enquanto seu sangue escorre e sua respiração diminui. Um ser de lama com formas distorcidas se levantaria por onde ele estivesse, dando-lhe as boas-vindas e estendendo-lhe um convite: “Aqui está quem procura, cavaleiro”. O corpo ensanguentado de seu companheiro surgiria numa alusão criada por Verônica. “Está morto”, continuaria. “Para lhe restar um pingo de esperança para resgatar o seu amigo, busque sua alma enquanto vaga pelas Colinas do Inferno. Para isso, tire a sua vida, cavaleiro. O seu sangue é o sacrifício para que eu o leve até o seu companheiro”.
CONTINUA